Se você obedece todas as regras, acaba perdendo a diversão.
Bob MarleySeguidores
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Sozinho, meu pensamento focaliza em alguém. Deixo-o
livre, e de repente meu coração aperta. Mas não estou triste, pelo
contrário, deixo escapar um sorriso. Comer não me parece tão
importante, agora me sinto alimentado por outra coisa. Acordo sempre
com os mesmos pensamentos, e os mesmos me impulsionam a ter um grande
dia. Quando te vejo sinto coisas estranhas, mas boas. Quando falo com
você minha cabeça pensa direito, mas minhas palavras saem embaralhadas,
e minhas mãos ficam suando. Meu pensamento focaliza alguém, esse alguém
é você. É, estou amando.
Bob Marley
É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores,
mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como
os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não
conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros.
Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra não
agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por
terem apenas passado pela vida.
Bob Marley
Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser
vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem
sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à
luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode
estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor.
Vence só quem nunca consegue.
Fernando Pessoa
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais
agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam,
as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A
primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas,
contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis
e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o
caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do
que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a
expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega,
pois que ninguém fala em verso.
Fernando Pessoa
Confesso que me dá uma saudade irracional de você. E
tenho vontade de voltar atrás, de ligar, de te dizer mil coisas, e cair
em suas mãos, sem me importar com nada, simplesmente entregar-te meu
coração. Mas não, renuncio, me controlo e digo para mim mesmo que não é
assim, que não pode ser, que você se foi, e não volta.
Caio Fernando de Abreu
"Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor
interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe
que doerá muito mais - por que ir em frente? Não há sentido: melhor
escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta,
camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de
muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê.
Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um
tempo perdido. Eu prefiro viver a ilusão do quase, quando estou “quase”
certa que desistindo naquele momento vou levar comigo uma coisa bonita.
Quando eu “quase” tenho certeza que insistir naquilo vai me fazer
sofrer, que insistir em algo ou alguém pode não terminar da melhor
maneira, que pode não ser do jeito que eu queria que fosse, eu jogo
tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu prefiro viver com a
incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em
dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia, loucura quem sabe…"
Caio Fernando de Abreu
"Que te dizer? Que te amo, que te esperarei um dia na
rodoviária, num aeroporto, que te acredito, que consegues mexer
dentro-dentro de mim? É tão pouco. Não te preocupa. O que acontece é
sempre natural - se a gente tiver que se encontrar, aqui ou na China, a
gente se encontra. Penso em você principalmente como minha
possibilidade de paz - a única que pintou até agora, “nesta minha vida
de retinas fatigadas”. E te espero. E te curto todos os dias. E te
gosto. Muito."
Caio Fernando de Abreu
"Eu sei que vou. Insisto na caminhada. O que não dá é
pra ficar parado. Se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro
um arco-íris da cartola. E refaço. Colo. Pinto e bordo. Porque a força
de dentro é maior. Maior que todo mal que existe no mundo. Maior que
todos os ventos contrários. É maior porque é do bem. E nisso, sim,
acredito até o fim. O destino da felicidade, me foi traçado no berço"
Caio Fernando de Abreu
Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também
sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando
me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que
sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo,
só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra
isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem
como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha,
eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono
tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo
crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você
tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler
sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se
precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E
talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro
nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o
mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar
junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me
pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível
nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer
que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for
preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa
viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena.
Que por nós vale a pena.
Remar.
Re-amar.
Amar.
Caio Fernando de AbreuRemar.
Re-amar.
Amar.
Como se fosses tu, assim entras no teatro e te chamam
dentro do sonho e te chamam para fazer o papel do sonho de alguém que
não veio, e dizes que nunca viste a peça e nunca leste o texto e nada
sabes de marcações intenções interiorizações e te dizem que não importa
porque é só um sonho e um sonho não precisa ensaio
Caio Fernando de Abreu
Além do Ponto
Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chhuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse um táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto.
Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta.
Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca.
Caio Fernando de Abreu
Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chhuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse um táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto.
Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta.
Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorri mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca.
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